O Político invisível
- Ana Paula Oliveira Silva
- 11 de jul. de 2023
- 6 min de leitura
"Ainda que tuas forças pareçam insuficientes para a tarefa que tens diante de ti, não assumas que está fora do alcance dos poderes humanos. Se algo está dentro da capacidade do homem, crê: também está dentro de tuas possibilidades."
(Marco Aurélio, Imperador Romano, em "Meditações")

A foto do Governador do estado de Minas Gerais estampa a manchete do jornal onde se lê que o mesmo havia gasto 41 milhões em uma estrada que beneficia e valoriza terras de sua família. Logo abaixo, o lembrete de que aquilo já não era tão novidade assim e de que outro político de nascimento, herdeiro de tempos passados, um tal Neves ou Cunha, teria sido noticiado fazendo o mesmo. E se não fossem nossos olhos e mentes cansados de tanta patifaria no meio que se diz "em prol" da sociedade. E se não for isso, por obséquio, me elucidem a questão.
Se hoje, eu precisasse citar algum político de valor, buscaria falas nas Meditações de Marco Aurélio, ninguém mais. E vejam, estamos falando de um imperador Romano do século I. Filósofo Estóico, conhecido como o último dos Cinco Grandes Soberanos, os bons imperadores da Pax Romana, um período de relativa calmaria, paz e estabilidade no Império Romano, que durou de 27 AC até 180 DC. Talvez a última época próspera do mundo moderno. Marco Aurélio deixou suas memórias redigidas em um diário, o qual fora transformado no Clássico "Meditações".
Grandes juristas, estudiosos, pensadores, filósofos, cientistas políticos vieram depois e revolucionaram o pensamento coletivo a partir de suas idéias, muitas delas seguidas até hoje. A lá Liberté, Egalité, Fraternité, lema marcado pela Revolução Francesa e citado nas Constituições Francesas de 1946 e 1958, mas que tem suas origens nascituras já lá por volta de 1550, na obra Discours de La servitude volontaire, pertencente ao humanista cristão Étienne de La Boétie. E nem mesmo assim, sua autoria pode ser comprovada, mas sim e tão somente sua conquista e solidificação, que pode ser vista como o alcance da afirmação de um ideal conjunto do pensamento da época. E que bom que ainda vivemos os tempos de plena validação desses ideais.
Assim se lê no documento Francês:
"CONSTITUIÇÃO
O Governo da República, em conformidade com a lei constitucional de 3 de junho de 1958, propôs,
O povo francês adotou,
O Presidente da República promulga a lei constitucional cujo teor segue: PREÂMBULO
O povo francês proclama solenemente o seu compromisso com os direitos humanos e os princípios da soberania nacional, conforme definido pela Declaração de 1789, confirmada e completada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946, bem como com os direitos e deveres definidos na Carta Ambiental de 2004.
Em virtude desses princípios e da livre determinação dos povos, a República oferece aos territórios ultramarinos que expressam a vontade de aderir a eles instituições novas
fundadas sobre o ideal comum de liberdade, de igualdade e de fraternidade, e concebido com o propósito da sua evolução democrática."
E então podemos primeiramente questionar, que Declaração é essa, a de 1789?
Seria essa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen). É O documento, o resultado da luta e conquista da Revolução Francesa, documento esse que define, esclarece e especifica os direitos individuais e coletivos dos homens (reconhecidamente pela acepção da palavra "seres humanos") como universais.
Era como se pela primeira vez na história, um Documento reconhecesse que somos todos seres humanos e que estamos regidos pela Lei Universal da Igualdade.
E é curioso o fato de que a manufatura desse documento teve como inspiração a Declaração de Independência Americana de 1776, e no profundo viés espiritual e filosófico que dominava o pensamento intelectual da época no Novo Mundo do século XVII. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão marca o fim do Antigo Regime, encerrando um período de fracassos notadamente reconhecidos pela compreensão de que aqueles foram os movimentos que evidenciaram o fim dos "tempos obscuros" e o marco do início de uma pretensa e destemida Nova Era.
Um ideal. Um pensamento universal. Política inclusiva e pensamento social. Atitudes de um virtuoso imperador, conquistas póstumas de um povo lutador, brava gente de ideal batalhador. 1789, e o que iria refletir a partir desse momento crucial, com a sua ampla divulgação, foi que aquele era um ideal de âmbito universal, ou seja, o de liberdade, igualdade e fraternidade humanas, acima dos interesses de qualquer particular.
O que me lembra o princípio administrativo da Impessoalidade. Um lembrete a todo agente público, de que ele é ninguém no jogo do bicho. Você é nada. Você é ninguém. Um número, uma matrícula, um mero gestor da coisa pública. Presidentes são temporários, já dizia o Oficial da NASA. Ou pelo menos deveriam ser.
Placas, estátuas inaugurais e programas de saúde com nome próprio de seu <criador=. Unicamente para que o próximo venha e destrua os alcances populares do seu antecessor. Pois são contrários às suas crenças pessoais de que aquilo que é bom, é exclusivo para si, para seu grupo privado de familiares e apoiadores, bem como para os seus correligionários, ninguém mais. A ideia mais atrasada de que para que algo esteja ou seja bom para alguns, precisa necessariamente ser ruim para os outros, sobretudo os que pensam e agem diferente. E, principalmente, os que mais precisam.
Um pensamento de que algo só será bom e inclusivo se houver plena concordância com os métodos e modelos, por mais arcaicos e jurássicos que os comportamentos adotados possam nos parecer. Ninguém há de questionar. Uns tentando fazer, outros lutando para atrapalhar.
É como aquela música da banda mineira Jota Quest que diz que está faltando emprego no planeta dos macacos. Falta emprego, falta saneamento básico, faltam escolas, saúde, lazer, e mais especificamente: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Direitos elencados no artigo 5º.
Aí então, esbarra-se com uma visão absurdamente sensata e coerente, manifestada em 2020 pela artista Mariah Carey, que apenas relata o óbvio, mas que é capaz de fazer qualquer um parar um pouco e pensar à respeito, diz a frase:
"Fomos socializados para acreditar que a pobreza é um fracasso pessoal, e não dos nossos sistemas."
Sobretudo, dos nossos (in) competentes administradores. Outorgados, demandados. E junto a esse condicionamento limitante, ainda persiste na ideia estapafúrdia e absurda da politicagem antiga(?) que costumava dizer em tom de prestígio e bater no peito: "Esse rouba, mas faz."
E enquanto tudo isso acontece, clama-se por justiça e pede-se pela punição dos culpados.
Alguns membros da classe política parecem ter se confundido um pouco em termos de papéis e começaram a achar que fazem parte ou que existe nesse país, algum tipo de realeza velada, disfarçada sob os panos de motoristas particulares, passeios de Jet skis, ternos caros, Copa do Mundo, pen drives, chocolates cacau show e esquemas rachados por todo o país. Um <direito de nascença= de quem só quer fazer o bem e trabalhar pelo povo. Um misto abobalhado de pesquisas de clima organizacional se encontra com Jus sanguinis x Pannis ET circenses.
Os juristas e célebres cientistas políticos que moldaram o pensamento atual rolam em seus túmulos enquanto assistem incrédulos os flagrantes delírios de quem simplesmente esqueceu que Res Pública é Res Pública. Do povo. Pelo povo. E para o povo.
Meros administradores que se esquecem de seus papéis e compromissos antes mesmo de virarem o calendário do ano civil. É a tal operação tapa buracos que se repete a cada 2 anos. Seria culpa do asfalto de má qualidade, do serviço mal feito ou do volume das chuvas que aumentaram consideravelmente desde que o alerta climático foi dado e ninguém se preparou adequadamente?
Aquele, o da Revolução Francesa, era mesmo um ideal de âmbito universal, o de liberdade, igualdade e fraternidade humanas, acima, de fato, dos interesses de qualquer particular. E ainda estamos apenas começando a colher seus resultados.
O parágrafo único da Constituição Federal de 1988 diz:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
É... Parece que ainda é assim.
Esperamos, honestamente, que seja.
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Ana Paula Oliveira Silva é Teofilo Otonense de nascimento, escritora, e Servidora Pública Federal. Bacharel em Direito pela FENORD, já atuou também em nosso município como Professora de Língua Inglesa. É estudante e praticante de Teosofia e uma saudosa entusiasta dos bons tempos que um dia ainda hão de retornar. Instagram: @napaulaoliveira
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SUGESTÃO DE LEITURA
Que texto instigante! Ana Paula passeia pela história, filosofia, sociologia e política de forma primorosa; consegue intercalar o imperador romano Marco Aurélio com a diva pop Mariah Carey, passando pela gloriosa Revolução Francesa! Reflexões que valem várias leituras, à qualquer tempo.