O pão e circo dos novos moldes: A anestesia do futebol

A política do Pão e Circo foi adotada em Roma como método de dominação e controle social, onde pão e trigo eram oferecidos gratuitamente à população associados a grandes espetáculos públicos em arenas com gladiadores proporcionando entretenimento, fazendo com que essa população não ficasse revoltada com suas condições sociais e opressão vivenciada. O povo romano, nesse cenário, não tinha qualquer interesse em assuntos políticos, atentando-se apenas ao alimento e ao divertimento.

Esse fator político e histórico foi precursor do que podemos chamar de um fenômeno, o fenômeno do Pão e Circo. Panem et circenses, quando governos oferecem algo, ou seja uma distração à população, no intuito de apaziguar possíveis revoltas.

Ressalta-se aqui que quando aplicada, a política “Pão e Circo” não vinha rotulada com esse nome. Ou seja, a conduta era essa, nomeada por críticos em sátiras posteriormente, no entanto nesse período essas ações eram naturalizadas, como se fosse o que realmente deveria ser feito e a população se mostrava satisfeita.

Hoje, essa “política” encontra-se em novos moldes, no entanto naturalizada da mesma maneira. No Brasil o grande exemplo são os eventos futebolísticos, do qual destaca-se, por motivos óbvios, a Copa do Mundo de Futebol.

Momento em que parte considerável da população anestesia-se dos problemas sociais e até mesmo pessoais com a anestesia do falso patriotismo e falsa ilusão de pertencimento ao mundo das carnes com folhas de ouro. Jogadores, muitas vezes com história de vida sofrida e exemplo de superação inquestionável, são colocados como heróis da pátria defendendo seu país nos novos “coliseus”. Estes, recebem fortunas, ostentam riquezas e exibem a discrepância social latente na sociedade brasileira. Mas, isso pouco importa, afinal “estamos vencendo” em alguma coisa.

Brasileiros anestesiados pelo falso senso de patriotismo e a afinidade com um esporte popular, esquecem da miséria, da fome, da corrupção, das injustiças sociais num todo. Vivem 45 minutos, mais uma breve prorrogação de alegria e distração.

Felizes? Sim. Como deixou registrado o grande, certamente um dos maiores escritores brasileiros, mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa, “Felicidade só em raros momentos de distração.”

Reclama-se da usurpação da camisa da seleção de futebol brasileira por um grupo de patriotas ligados a um grupo político, mas não percebe-se que o patriotismo foi direcionado de forma veemente e unicamente para representantes de um esporte. Hoje, não é possível nem mesmo ousar dizer que não se importa com o resultados dos jogos, pois a sombra do anti patriotismo será lançada sobre você através de olhares de surpresa e inquietação.

Caro leitor, não almejo um país em que os heróis sejam militares de um exército forte, tampouco jogadores de futebol com nenhum ou pouquíssimo compromisso social. Sonho com um país em que o povo seja seu próprio “mito”. Acredito na coletividade e em ações de uma pátria com múltiplas facetas de diversidade cultural. Sonho humildemente que a população acorde desse transe, que essa anestesia chegue ao fim. Enquanto isso sigo aos poucos acordando os que estão ao meu lado, despertando os que alcanço.

Em fim, destaco um trecho da música “O que sobrou do céu”, da banda de rock nacional O Rappa.

Faltou luz, mas era dia. O sol invadiu a sala. Fez da TV um espelho. Refletindo o que a gente esquecia.

Que esse brilho e glamour do futebol um dia “falte”, metaforicamente, por um único momento, apenas para podermos enxergar o que normalmente esquecemos na realidade brasileira.

Kalil Lauar

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